14/04/10

Mutável

És tenebrosa criatura envolta em estilhaços absortos. Da malva brotaste e nela agora te afogas, sufocas com o pranto que traçaste.
Sozinha neste mundo de cadáveres ambulantes deambulas na ruína substancial que tanto definhas.
Decadência do que é real em torno de circunstâncias enfadonhas, sou mutante encarcerado desta medonha existência.

Esta Terra é sofrida e aprisionada pelo Todo-poderoso (?) se és liberdade e bondade suprema não poderás ser acreditado. Sou alma (luz) encarnada nas trevas (corpo).
Entre devaneios sinto-me a vaguear por trilhos incertos. Padeço alienado das minhas degradadas memórias…não quero mais ser. Por fim eterno descanso.
Inconsciente sei que sou de mim porém ingénua não serei enquanto sinto a consciência que outrora fui.
As horas traem-me.
A incerteza de não ter e saber merecer o que não é meu. Comovida é esta alma que não está perdida nos destroços desta imunda existência.
Sei dentro de mim aquele presságio.
No olhar profundo do meu perfeito sinto a apertada mágoa.
Sangro com Ele.

26/05/09

Tremida

Enamorada pela criança que outrora foi abandonada de afectos dissimulados, é grande a mágoa que jaz pelo silêncio mórbido de uma sombra distorcida daquela que foi ou será uma mera puta à beira do precipício. É pesado e arrastado este fado, tão doce melancolia e bela utopia da menina pequenina. Tremida é a imagem de ninguém que foi.
O sangue escorre pelas pernas, aliviada a dor pura e real retoma à inexistência deveras sentida como se de nada se tratasse. As lágrimas esbatidas páram de correr, a seca garganta cala-se enquanto o apertado corpo nu de unhas cravadas lentamente retomam seu ritmo. “Dói-me o coração…” diz ela em voz baixinha, ultra secreta tentação de aniquilar tal alma perdida. Matas-te sozinha. E sozinha sufoca dentro de uma placenta envenenada que não é dela. Silêncio negro.
Tudo é absurdo ao teu redor, surreal. Quem são, o que fazem, para onde vão…Imaginas-lhes as tripas fedorentas arrebentarem pela boca. Pouco te importa, não pertences aqui.Deitas-te no chão gelado, estala-te a espinha. As feridas húmidas sugam o ar frio enquanto observas o tecto e desejas que ele te caia em cima, desde as pontas aguçadas a furarem-te a pele até aos blocos de cimento a esmagarem a tua memória. Apagas.
Caminhos escuros. Nada procuras e dentro dele, tens sem perceber o veneno que é teu vício. Por entre olheiras, a tua verdade disfarças. Tímido é o olhar daquela chama que incinerou para sempre tua oculta existência. Obscura esta profecia. Indolente vulto das sombras, apartas todas as criaturas que trazem para ti brilho e no Negro desbotada respiras o sufoco da sorte que escolheste.
Arrastada melancolia que se apodera de mim, a mente que outrora foi inocente é pesada consciência. Levo comigo a alma roubada que reencarnou no corpo fraco e pálido. Sedutora veio de mansinho abalar/salvar meu destino que é de outrem. Não sou de mim, respiro com pesar e penso este sentir, mágoa para as minhas lágrimas, estas já escassas sucumbem no olhar que não é meu. Sinto-me impura por consumir este corpo. A cada dia que passa envelhece e grita comigo, sente-se violado. Nas pernas revelam-se as cicatrizes com os seus segredos guardados…
Aqui sentada a olhar para o vazio… Trémula é uma essência desconhecida. Sem sentir, sentindo cá dentro aquele mau estar que me deixaste. Sem saber, sabendo que outrora marcaste-me. E sem pensar sei que penso em ti. Para quê ter a consciência se inconsciente tracei este destino do qual pesam memórias, sem as quais não seria consciente de mim.

Sorriso

Arrepiante sensação que penetra a minha pele desnuda, sinto te gelado. O teu olhar vazio atinge-me como flechas mortais.
Este silêncio é imundo e as criaturas são excrementos incrustados neste buraco asfixiante.
Procuro o teu olhar nas sombras, ainda há uma esperança.
Franzina e sem forças, um pequeno musculo luta pela sobrevivência, esta é já escassa mas real, é assim que te sinto.
Vulnerável criatura das sombras, esbelta solitária me apareceste e como no Sonho do passado enriqueceste a frágil penumbra.
Apenas um sorriso.